5 papéis que transformam o profissional de RH num executivo indispensável

As transformações pelas quais o mundo do trabalho está passando influenciam todas as pessoas — desde as mais operacionais até as estratégicas. Tanto que, de acordo com um estudo encomendado pela Dell Tech­nologies para o Institute for the Future, até 2030, 85% das ocupações serão novas.

E quem está na área de recursos humanos não fica de fora desse turbilhão. Pelo contrário. Sente com ainda mais profundidade as mudanças que estão ocorrendo. Não é à toa. O RH é um dos grandes responsáveis por construir a ponte entre o presente e o futuro, sem deixar de lado as lições do passado.

“O modelo econômico atual coloca o capital humano como principal vantagem competitiva e geração de riqueza”, diz João Lins, diretor executivo dos cursos corporativos da Fundação Getulio Vargas e professor de gestão de pessoas.

Por isso, nos próximos anos, o líder de RH poderá ter um lugar de protagonista, propondo novos caminhos para as companhias. “Mas, para isso, vai precisar ter coragem de confrontar o statu quo para sugerir as mudanças necessárias”, afirma Roberto Aylmer, consultor especialista em gestão estratégica de pessoas e professor na Fundação Dom Cabral.

Essa é uma missão e tanto que requer uma caixa de ferramentas poderosa — e um novo perfil de profissional. Prova disso é que, de acordo com um levantamento da consultoria Gartner, seis em cada dez CEOs estão repensando a atuação do RH.

E, ao mesmo tempo, apenas 8% das funções da área de recursos humanos estão alinhadas ao que a liderança realmente precisa. “O trabalho está sendo ressignificado, e o RH também precisa passar por isso”, diz Anderson Sant’Anna, professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-Eaesp).

Mas como seria essa nova atuação? Para responder a essa pergunta, a mesma Gartner mapeou, por meio de pesquisas conduzidas com executivos de todo o mundo nos últimos cinco anos, quais são os pilares em que o profissional de gestão de pessoas deve atuar para tornar-se um executivo de primeira linha ­— e que são divulgados com exclusividade por VOCÊ RH.

Chegaram à conclusão de que existem cinco áreas que são as fundamentais: liderar o capital humano, criar a estratégia de talentos, comandar a transformação organizacional, conduzir a cultura e o propósito, atuar como conselheiro e coach.

“O CEO quer um líder que atue em todas as frentes da empresa, participando efetivamente do negócio”, diz Brian Kropp, vice-presidente e líder de práticas de RH na Gartner.

Segundo os especialistas, é necessário atuar em todas essas esferas simultaneamente para tornar-se o líder de pessoas de que as organizações realmente precisam, hoje e no futuro. Nas próximas páginas, mostramos o porquê de cada uma delas e quais competências demandam.


1. Liderar o capital humano

Há uma ligação direta entre pessoas, desempenho e resultados financeiros. É o que aponta o estudo Workforce 2020, feito pela Oxford Economics, consultoria britânica com mais de 2 700 executivos.

De acordo com a pesquisa, as companhias que mais crescem são as que tratam, com atenção, a gestão de talentos: 55% das que informaram alta performance dizem que estão satisfeitas com a qualidade dos profissionais na maioria das posições.

Some-se isso ao avanço da tecnologia, ao novo perfil do consumidor (mais exigente e bem informado) e ao convívio de diversas gerações no ambiente de trabalho, e o resultado é o aumento da importância (e da complexidade) da gestão de pessoas. “No jogo competitivo, quem lidera a atração e a retenção de talentos está à frente”, diz João, da FGV.

Segundo a análise da Gartner, sempre que houver mudanças significativas no mercado ou na sociedade que impactem a empresa, o líder de RH precisa estar preparado para fornecer uma estratégia de como o capital humano deve ser gerenciado e estar pronto para sempre ajustar o time às necessidades da companhia.

”O RH deve ter profundo conhecimento da estratégia do negócio para conseguir criar, propor e construir estruturas organizacionais que levem a empresa aos resultados esperados”, diz Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira.

É crucial, assim, ter uma visão sistêmica da companhia, com todos os talentos mapeados e bem treinados para conseguir agir em um momento de mudança de cenário. E estar pronto para encarar as mais complexas danças das cadeiras, como uma mudança na presidência.

Foi o que aconteceu com Sylmara Requena, vice-presidente de RH da Siemens, no segundo semestre de 2016, quando foi surpreendida com a decisão de seu CEO, Paulo Stark, de deixar a companhia para tocar um projeto pessoal. Apesar da situação inesperada, a executiva estava pronta para lidar com a questão.

Já havia sucessores na mira da multinacional — dentro e fora da empresa. “O mapeamento é algo vivo, atualizado com frequência. Sempre precisamos ter profissionais que possam assumir uma posição em curto prazo para não sofrermos com a saída de um talento estratégico”, diz Sylmara.

O processo, que culminou na contratação de André Clark, executivo que veio do mercado, durou dez meses. Nesse período, Sylmara precisou de poder de influên­cia, jogo de cintura e profundo conhecimento da cultura e da estratégia para aprovar o candidato com a matriz.

“Quando falamos da sucessão de um CEO, qualquer deslize pode ser fatal para o negócio”, diz. Segundo a VP, que tocou pela primeira vez uma troca de presidente, um dos maiores desafios como profissional foi manter o equilíbrio emocional para lidar com todo o processo, que envolve confidencialidade, antecipação de possíveis impactos e a escolha certa do principal nome da empresa.


2. Criar a estratégia de talentos

Muito mais do que elaborar ações tradicionais de recrutamento e seleção, o RH precisa projetar uma estratégia de pessoas que esteja baseada em como a organização realmente funciona.

Apenas dessa forma é possível identificar e selecionar os profissionais certos para as funções corretas, no melhor momento. De acordo com o levantamento da Gartner, os CEOs confiam cada vez mais no líder de RH para encontrar, gerenciar e desenvolver funcionários que conseguirão atingir os objetivos estratégicos da companhia.

Isso se torna mais importante quando se sabe que 75% das organizações estão suscetíveis a enfrentar uma escassez de capacidade interna dentro de cinco anos, de acordo com a Gartner. “Se o RH não tiver um papel mais ativo, estratégico e protagonista, poderá perder o espaço na empresa”, diz Anderson, da FGV-EAESP.

E, em alguns momentos, é preciso revisar o que já existe para preparar-se para o futuro. Vanessa Lobato, vice-presidente de RH do Santander, afirma que, ao assumir o setor em meados de 2013, percebeu que sua área estava distante da estratégia.

“O RH deve estar alinhado em tudo que está relacionado à empresa para saber, por exemplo, se o negócio passa por um momento de retenção ou atração de talentos”, diz.

Para reestruturar a atuação da área e aproximá-la da estratégia, Vanessa criou um comitê de pessoas com 14 executivos de setores como varejo, atacado e comercial, que se reúnem a cada dois meses e participam ativamente da construção das principais ações de gestão de pessoas.

“Não adianta contratar um trainee com a visão de RH. Tem de ter a visão dos gestores que vão trabalhar com este profissional”, afirma.

Em 2016, em parceria com esse comitê, a área de recursos humanos conduziu a redefinição do perfil do talento para o banco, tendo em vista as mudanças no mercado de trabalho.

Depois de muito estudo e mapeamento, percebeu-se que era importante acrescentar algumas habilidades na descrição dos candidatos, como inteligência emocional e empreendedorismo.

Além disso, abriram os olhos para a diversidade, recrutando minorias e fugindo do “perfil bancário” tradicional, formado por funcionários das mesmas universidades e com o mesmo estilo de vida. “O que traz resultado ao negócio é ter um mix de talentos, não pessoas iguais”, diz.


3. Conduzir a transformação organizacional

A demanda do líder de pessoas de comandar em um ambiente de constante transformação só tende a crescer. Segundo a Gartner, 73% dos CEOs esperam que a área implemente cada vez mais rápido as mudanças.

Essas transformações podem ocorrer por causa de diversas razões, desde tecnológicas até de mercado (como fusões e aquisições e a chegada de um novo concorrente).

“Sempre que possível, o RH deve antecipar as necessidades da força de trabalho — e do mercado — e garantir que essas demandas sejam abordadas em relação à cultura, à estratégia e ao contexto de negócios da empresa”, diz Vicky Bloch, sócia da Vicky Bloch e professora nos cursos de especialização em RH da FIA e da FGV.

Brian Kropp completa o pensamento: “Além de antecipar soluções para as mudanças, o profissional precisa estar preparado para conduzi-las. Ele passa a ter papel estratégico nas decisões”. Esse raciocínio deve ser algo que acontece no dia a dia.

É como o de um gerente comercial que percebe que a demanda por determinado produto está caindo e tem a missão de encontrar uma novidade para substituí-lo.

Adaptação é a palavra-chave. Quem a usou foi Anderson Valverde quando o Peixe Urbano se fundiu com o Groupon em 2017.

Atual diretor das áreas de pessoas, jurídico e facilities para a América Latina, o executivo precisou ter jogo de cintura para atuar em duas frentes: desenvolver-se pessoalmente aprendendo rapidamente espanhol (que, ao lado do português, é a língua oficial da nova empresa) e criar uma estratégia de unificação das companhias.

Um pilar importante para isso foi colocar pessoas da equipe de RH em diferentes áreas, assim haveria um atendimento mais próximo para compreender quais seriam as necessidades dos empregados e dos gestores.

“Isso foi crucial, pois tivemos de unificar os processos e as políticas envolvendo seis países: Brasil, Chile, Argentina, México, Colômbia e Peru”, diz Anderson.

Essa estratégia deu agilidade para a junção das duas marcas, pois auxiliou a avaliação de performance dos empregados (que definiu quem continua­ria e quem sairia da empresa) e a checagem dos indicadores internos (análise que levou à definição das estratégias de negócios).

Uma das decisões teve relação com a cultura. Ao analisar o índice de satisfação dos funcionários com os valores, a equipe de RH notou que havia mais alinhamento com os do Peixe Urbano do que com os do Groupon, por isso foi decidido que a nova cultura teria mais elementos daquela empresa.

A fusão levou um ano e foi constantemente comunicada aos 1 000 empregados da companhia (500 atuando no Brasil e 500 em países da América cujo espanhol é a língua oficial).

“Não podíamos deixar passar muito tempo desde o anúncio da fusão até a definição da estrutura, a unificação de cargos e a criação de um novo esquema de remuneração variável. Essas mudanças são as que geram mais desconforto e incertezas”, diz Anderson.


4. Dirigir a cultura e o propósito

Apesar de o CEO ser o principal responsável pela cultura organizacional, a pesquisa da Gartner mostra que a maioria vê o líder de RH como um parceiro fundamental nessa construção.

Porém, menos de um terço dos presidentes acredita que a cultura da empresa os prepare para as mudanças estratégicas e as tendências externas do mercado. “Cultura é o assunto que os CEOs mais falam, de que mais gostam e mais querem dominar.

O que muda é a velocidade com que as empresas querem aperfeiçoar sua cultura. As mudanças que eram concluídas em três ou quatro anos agora precisam ser realizadas em quatro meses”, diz Brian.

O mais importante nesse processo é o entendimento de que valores e propósitos precisam estar alinhados à estratégia da companhia — e ser demonstrados todos os dias.

“O papel mais importante do RH é garantir que as políticas de gestão de pessoas estão condizentes com a cultura. É por meio das ações e das decisões do dia a dia [contratação, demissão, sucessão] que a pessoas veem a materialidade dos valores empresariais”, diz João.

Tudo pode vir por água abaixo se o discurso não acontecer na prática. Se a empresa tem entre seus valores a diversidade, mas só há homens brancos em sua diretoria, algo está fora de sincronia.

Claro que um dos maiores desafios nesse pilar é a implementação de uma nova cultura. A Localiza, de aluguel de carros, está vivendo esse momento e quem está à frente é Daniel Linhares, diretor de RH da companhia. Mas a transformação da empresa não é de hoje.

Tudo começou há quatro anos, por causa de mudanças na diretoria que levaram um dos fundadores da empresa, Salim Mattar, a se afastar da presidência. Essa mudança, ao lado da entrada de novos profissionais, fez com que a Localiza percebesse, em 2018, que era hora de repensar os valores.

A ideia é mesclar o que sempre foi importante para a empresa às necessidades das novas gerações. “A cultura deve ser construída em conjunto. Conversamos com todos os líderes — dos novos aos mais antigos — para saber o que devia ser mantido e o que podíamos melhorar”, diz Daniel.

Empregados de diversos cargos e áreas puderam contribuir com ideias em fóruns de discussão. Entre os novos valores estão inovação (algo para o futuro) e empresa cidadã (que conecta com o passado da companhia).

Com os valores definidos, foi criado um grupo de referência, formado por 25 gestores que, a cada três meses, debatem sobre a adesão da cultura no dia a dia, identificando o que está sendo praticado e o que precisa ser reforçado.

“Tem sido um desafio e tanto disseminar e manter forte nosso propósito. Temos 8 000 funcionários e mais de 600 pontos de venda”, afirma Daniel.


5. Atuar como conselheiro e coach

Aconselhar pessoas talvez seja uma das razões pelas quais muitos profissionais de recursos humanos escolhem a área. Mas essa habilidade não pode ser deixada de lado enquanto cresce na carreira. Ao contrário. Torna-se cada vez mais importante.

“O RH precisa vestir a camisa de coach. Muito mais do que gerenciamento de talentos, um líder de recursos humanos deve estar próximo do CEO e dos executivos de negócios para orientá-los nas tomadas de decisões e guiá-los no desenvolvimento profissional”, diz Brian.

Isso é crucial porque a alta liderança tem, no executivo de pessoas, uma figura importante para obter a perspectiva do mercado e o cenário interno da empresa em relação a talentos e demandas. “Ser RH é lidar com gente. Deixar esse papel de lado pode custar caro à empresa”, afirma Anderson Sant’Anna, da FGV-EAESP.

Renata Lorenz, vice-presidente de gente e gestão do Grupo Zap, plataforma de aluguel de imóveis, sente isso na pele. Ela é a principal conselheira de Lucas Vargas, CEO da empresa, atuação que a levou a acumular, em março deste ano, o cargo de diretora de operações.

Renata está sempre pronta a ouvir o principal líder da companhia e a aconselhá-lo em diferentes situações, desde momentos de estresse, nos quais ele costuma ficar mais centralizador porque precisa tomar decisões estratégicas sobre o negócio, até quando deve lidar com assuntos ligados a pessoas.

“Durante a fusão com o VivaReal, tivemos de ajustar o quadro de funcionários. No calor da emoção, Lucas, que tem um perfil muito executor, queria resolver logo a questão.

Falei que era melhor pensar junto e sugeri que ele desse espaço para que cada líder tomasse sua decisão”, afirma Renata. “A ideia é sempre ajudar o executivo a entender qual é o impacto de uma decisão e qual poderia ser o melhor caminho.”

Para atuar com gestão de pessoas e no aconselhamento de executivos, Renata, formada em engenharia com especialização em administração, fez curso de coaching e de PNL, disciplina prática que tem como objetivo abordar e compreender os vários níveis de pensamentos.

O processo exige cuidado e sensibilidade para saber quando e como aconselhar, como explica Eliana Dutra, CEO da ProFitCoach. “O mais importante é negociar a atitude, perguntando ao executivo se ele quer aconselhamento e em quais situações”, afirma.

Trata-se de uma relação que se constrói com o tempo, por meio de uma postura transparente, coesa e honesta. Renata conta que nunca inicia uma conversa com Lucas para convencê-lo, e sim para dar alternativas. “Não dou respostas, faço perguntas”, afirma.



ENTREVISTA

Imersão na estratégia

Para Brian Kropp, vice-presidente e líder de práticas de RH da Gartner, os executivos de pessoas precisam, com urgência, compreender profundamente os objetivos das companhias em que atuam e ajudar o CEO a atingi-los.

O RH já passou por muitas transformações. Agora, parece ter a oportunidade de, ao lado do CEO, atuar para manter a empresa competitiva e atraente para os melhores talentos. O que o executivo da área deve fazer para, de fato, assumir essa função?

Nossa pesquisa mostra que 60% dos CEOs estão repensando a função do RH. Querem um líder que atue em todas as frentes da empresa, participando efetivamente do negócio. Para isso, o profissional deve ter visão estratégica e amplo conhecimento sobre a companhia.

Não deve ser um simples suporte que atenda às áreas, e sim que pertença a elas, participando das decisões para melhorar a performance da companhia. Isso tudo com agilidade, pois as mudanças tendem a ser mais constantes.

Trata-se de uma redefinição de funções, então?

O RH que conseguir unir os cinco pilares (e, até, ir além deles) pode se transformar em um executivo indispensável para a empresa, assim como o CFO. A área tem controle sobre os dados de todos os funcionários e pode, por exemplo, pensar em custos, pois de 50% a 70% dos gastos de uma companhia vêm da folha de pagamentos.

Ninguém melhor do que o RH para cuidar disso estrategicamente. Para isso, precisa, acima de tudo, entender como a empresa funciona e lucra, e qual seu principal objetivo. Se o RH não fizer isso, certamente outro executivo fará.

Quais são os desafios nesse processo?

Entender como a empresa ganha dinheiro e colocar -se como um parceiro nessa busca por resultado. Não adianta ter diversas estratégias se não estiverem alinhadas ao objetivo principal do negócio. Se a estratégia de recursos humanos estiver em outra direção, nada terá efeito.

Fonte: Exame.com | Imagem: Google